06/09/2013
Trecho do prefácio do livro "O Jardim na Panela: usos, histórias e cultivo das ervas e especiarias culinárias", da nossa chef Michele Valent, que sai em tempo para o natal.
"Acontece que a jardinagem não é uma maneira de matar o tempo, mas de reavivá-lo: a horta é um direito primário, o modo de o trabalhador preservar uma zona viva de prazer e de sanidade psíquica. Quando nossas únicas atividades são mentais, nos arriscamos a nos afogar em um mar de irrealidade. Voltar-se ao corpo, ao trabalho com o corpo, é a maneira de retirar a mente de sua pretensa centralidade. Trabalhando na horta/jardim, reforçamos o vínculo entre ação e resultado. Se acertamos, colhemos, se erramos, não comemos. Simples assim. Nossa vontade conjugada aos nossos atos produz brotos, flores e frutos, o contrário do que acontece na depressão, em que se tem a impressão de que toda iniciativa é estéril.
Cuidar da horta/jardim é cuidar de si mesmo, despoluir-se. Mente e terra, ambos seres vivos, são trabalhados de modo afim, tem tempos análogos. Como a terra, a mente não pode ser organizada de uma só vez: é preciso voltar todos os dias, nutri-la. A mente necessita de cultivo, pois também pode abrigar pensamentos daninhos. A horta/jardim é uma representação não-verbal do mundo interno. Ali se pode expressar aquilo que não se sabe, mas que se sente, executar gestos que aplacam ou redistribuem as energias. Plantar uma horta/jardim é uma maneira de defender-se do senso de impotência diante das forças que ameaçam nos desagregar, um testemunho tangível da nossa utopia. Podemos ignorar o que estamos fazendo no mundo, mas pelo menos de um fragmento seu temos a resposta. Não importa o quão pequeno, ali produzimos um ângulo de beleza a mais".